Qual o melhor caminho para o Programa Espacial Brasileiro?
Pela visão de um pesquisador/empreendedor
A crítica mais antiga que notamos
sobre o Programa Espacial Brasileiro – PEB sempre foi a mesma, “não temos
verbas”, creio que desde o início do programa essa frase era bastante repetida.
Inicialmente, quando comecei a me apaixonar pela área aeroespacial, e alguns
anos depois descobri que o Brasil tinha de fato um PEB, acreditava que seria
apenas questão de tempo até termos nosso próprio lançador operando e quem sabe
até plataformas orbitais. Me formei como tecnólogo em mecânica de precisão pela
FATEC-SP, e no mês seguinte, mudei-me para São José dos Campos, o berço
aeroespacial brasileiro para iniciar o mestrado no ITA.
Cheguei na cidade com diversos
sonhos e expectativas, naturalmente algumas se frustraram e outras não, mas
passei um tempo muito precioso dentro do DCTA, entre 2007 e 2015, e com certeza
foi o período de minha vida em que mais aprendi, em todos os sentidos. Nesse
período conclui um mestrado em engenharia aeroespacial e um doutorado em
engenharia aeronáutica-mecânica, e em 2008 comecei minha startup, a Acrux Aerospace
Technologies, sob as orientações da incubadora tecnológica da Fundação Casimiro
Montenegro Filho, INCUBAERO.
Após esses anos como pesquisador e
empreendedor, ainda me surpreendo com diversas situações e fatos do PEB, e como
nossas atividades aeroespaciais são executadas. Temos alcançado grandes
resultados durante esses anos, e vi de perto como esses resultados foram
alcançados, tipicamente pelo esforço homérico de alguns profissionais chaves em
nosso PEB. No entanto, pela soma de recursos públicos que é injetado no PEB,
que ainda é pouco perto de nações pertencentes aos BRICS por exemplo,
sinceramente creio que poderiamos alcançar maiores resultados.
O primeiro desafio que precisamos
resolver é a famigerada lei de licitações no 8.666 de 1993, que
emperra consideravelmente a contratação de serviços e a aquisição de produtos
por parte de orgãos públicos. A solução seria dispensar esse instrumento para a
P&D? Talvez em alguns países funcionaria, mas não no Brasil de hoje, pelo
simples fato de a classe empresária não ser ética o suficiente ainda. Precisamos
sim de novos marcos legais, mas de forma nenhuma podemos dispensar a abertura a
concorrência e tomada de preços.
Precisamos sim de um marco legal que
diferencie a pesquisa aeroespacial e que valorize a indústria nacional,
valorize a especialização dos funcionários, valorize a cooperação com
universidades mas não a torne exclusiva e faça tomada de preços internacionais
para evitar abusos de preços, prática quase constante na indústria aeroespacial
no Brasil.
O segundo desafio esta na gestão de
nosso PEB, por mais que a Agência Espacial Brasileira – AEB seja atualmente a
gestora do PEB, com o pessoal efetivo que a mesma possui é praticamente
impossível gerir eficientemente e com agilidade tudo o que esta sendo executado
em termos de PEB dentro do INPE, DCTA, CLBI, CLA e todas as universidades
envolvidas com o PEB (que ainda não são suficientes para as pretenções do PEB).
Como poderiamos esperar a criação de novos programas, a gestão e a fiscalização
efetiva de todas as ações do PEB? Vamos fazer uma comparação não muito justa,
mas por que não um dia? A NASA emprega mais de 18mil funcionários diretos e
40mil sob contratos temporários, o JPL apenas, mais 5mil diretamente.
Creio eu que uma modernização da
AEB, com no mínimo o dobro de postos de trabalho seria de enorme importância
para nosso PEB, e não aumentaria significamente o volume de recursos
dispendidos para o setor. A contratação de um número suficiente de funcionários
especializados em gestão de projetos, gestão da inovação, desenvolvimento
estratégico, gestão pública e engenharia de sistemas iria ajudar muito na
fluência de todos os processos.
O terceiro grande desafio lincado
com o segundo é justamente o efetivo envolvido no PEB. Esse é um problema
bastante complexo, pois nesse momento temos dezenas de profissionais
pesquisadores da mais alta capacidade aposentando-se e indo pescar. Esses excelentes
profissionais deveriam possuir um regime de trabalho diferenciado no final de
suas carreiras, dedicando parte do tempo voltado para o treinamento e
capacitação de novos engenheiros.
Até ai, a criação de um programa de mentoring
é relativamente simples de implementar, mas precisamos de muito mais
contratações sejam por CLT ou concursos públicos. Ai entra outra grande
necessidade do nosso PEB, que já gerou problemas para diversos gestores
anteriormente. É necessário urgentemente a criação de mais um instrumento
jurídico que permita de forma desburocratizada a contratação legal de
funcionários por regime CLT. Tal possibilidade de contratação iria aumentar
muito a eficiência na gerência do quadro de efetivos, e suas alocações.
O quarto grande desafio na minha
visão é estabelecer uma relação mais justa e sustentável com a indústria. Em
muitos paises desenvolvidos, empresas do setor espacial podem sobreviver
somente de contratos governamentais, mas definitivamente não é o caso do
Brasil. Devemos então criar demandas para sustentar a indústria? Absolutamente
esse não é o caminho, a indústria é quem deve servir aos interesses de
pesquisa, desenvolvimento e produção da nação.
Como vamos possuir uma indústria
espacial sustentável então? Primeiramente temos de acabar com vantagens, indicações
e o tráfico de influência que ronda algumas de nossas indústrias aeroespaciais
no Brasil atualmente. Tal problema gera atrasos, produtos com baixa qualidade e
principalmente preços abusivos que tornam qualquer projeto inviável. Por mais
que tivéssemos a causa da nacionalização a alguns anos, hoje precisamos pensar
de forma diferente, mais voltada para o mercado, rumo a sustentabilidade do
programa.
As indústrias espaciais no Brasil
precisam se diversificar, e atender outros mercados além do segmento espacial,
de forma a manter sua saúde financeira e suas equipes. Essa é uma premissa no
Brasil, e não é uma estratégia nova. Dessa forma, as empresas podem atender a
contratos específicos quando necessário, e não precisam aplicar preços abusivos
para manter o caixa da empresa por anos.
Atualmente possuimos algumas
empresas nesse setor que se negam a diversificar e mantêm suas atividades
baseando-se em editais de P&D, no entanto, ao agirem dessa forma contribuem
para o monopólio e a extinsão das micro e pequenas empresas no setor. Em um
pais com recursos limitados como o Brasil uma solução para o desenvolvimento de
um PEB sustentável está justamente na criação de dezenas ou centenas de micro e
pequenas empresas, intimamente integradas as universidades e os institutos de
pesquisa, tal ecosistema é encontrado em diversos polos tecnológicos pelo
mundo, como o Vale do Sílicio.
Devido a natureza inovadora de sua
gestão, essas startups tem enorme potencial de desenvolvimento de avanços
tecnológicos e solução de problemas com frações do custo de empresas de maior
porte, no entanto, esse tipo de empreendimento necessita de apoio governamental
em seus primeiros anos, mas a maior parte dos recursos que deveriam servir para
esse fim no Brasil tem sido injetados em pouco inovadoras e caras empresas de
médio e grande porte a vários anos.
O quinto grande desafio a vencer
esta na cooperação internacional, que é atualmente um dos grandes pilares do
desenvolvimento aeroespacial mundo a fora. O Brasil por algumas razões
históricas, algumas escolhas tecnológicas e algumas vendas de armamentos a
paises não amigáveis aos USA, tem grandes restrições na importação de
componentes, sistemas e mesmo cooperação em algumas áreas, principalmente
lançadores.
Além desse histórico, o Brasil na
última década tem se aproximado de paises comunistas ou pseudocomunistas, e
isso tem dificultado o diálogo no sentido de acesso a tecnologias correlatas a
área de lançadores. No entanto, o INPE tem feito grandes avanços em missões
internacionais científicas e de observação da terra. Creio que o modelo de
cooperação que o INPE tem estabelecido com diversas agências espaciais tem
funcionado muito bem ao longo desses anos, e creio que poderiamos tentar
replicar esse modelo no campo de lançadores, e de forma mais intensa buscando
parceiros talvez dentro do bloco dos BRICS ou mesmo de paises do leste europeu.
Não creio de forma alguma que meu
ponto de vista contemple todo o problema, mas gostaria de contribuir com alguns
aspectos que creio serem importantes, e que tipicamente não vejo muito diálogo.
Nesse sentido creio que mais discussões e com mais representantes de todos os players
do setor poderia trazer mais luz sobre o melhor caminho a seguir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário