quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Qual o melhor caminho para o Programa Espacial Brasileiro?


Pela visão de um pesquisador/empreendedor






A crítica mais antiga que notamos sobre o Programa Espacial Brasileiro – PEB sempre foi a mesma, “não temos verbas”, creio que desde o início do programa essa frase era bastante repetida. Inicialmente, quando comecei a me apaixonar pela área aeroespacial, e alguns anos depois descobri que o Brasil tinha de fato um PEB, acreditava que seria apenas questão de tempo até termos nosso próprio lançador operando e quem sabe até plataformas orbitais. Me formei como tecnólogo em mecânica de precisão pela FATEC-SP, e no mês seguinte, mudei-me para São José dos Campos, o berço aeroespacial brasileiro para iniciar o mestrado no ITA.

Cheguei na cidade com diversos sonhos e expectativas, naturalmente algumas se frustraram e outras não, mas passei um tempo muito precioso dentro do DCTA, entre 2007 e 2015, e com certeza foi o período de minha vida em que mais aprendi, em todos os sentidos. Nesse período conclui um mestrado em engenharia aeroespacial e um doutorado em engenharia aeronáutica-mecânica, e em 2008 comecei minha startup, a Acrux Aerospace Technologies, sob as orientações da incubadora tecnológica da Fundação Casimiro Montenegro Filho, INCUBAERO.

Após esses anos como pesquisador e empreendedor, ainda me surpreendo com diversas situações e fatos do PEB, e como nossas atividades aeroespaciais são executadas. Temos alcançado grandes resultados durante esses anos, e vi de perto como esses resultados foram alcançados, tipicamente pelo esforço homérico de alguns profissionais chaves em nosso PEB. No entanto, pela soma de recursos públicos que é injetado no PEB, que ainda é pouco perto de nações pertencentes aos BRICS por exemplo, sinceramente creio que poderiamos alcançar maiores resultados.

O primeiro desafio que precisamos resolver é a famigerada lei de licitações no 8.666 de 1993, que emperra consideravelmente a contratação de serviços e a aquisição de produtos por parte de orgãos públicos. A solução seria dispensar esse instrumento para a P&D? Talvez em alguns países funcionaria, mas não no Brasil de hoje, pelo simples fato de a classe empresária não ser ética o suficiente ainda. Precisamos sim de novos marcos legais, mas de forma nenhuma podemos dispensar a abertura a concorrência e tomada de preços.

Precisamos sim de um marco legal que diferencie a pesquisa aeroespacial e que valorize a indústria nacional, valorize a especialização dos funcionários, valorize a cooperação com universidades mas não a torne exclusiva e faça tomada de preços internacionais para evitar abusos de preços, prática quase constante na indústria aeroespacial no Brasil.

O segundo desafio esta na gestão de nosso PEB, por mais que a Agência Espacial Brasileira – AEB seja atualmente a gestora do PEB, com o pessoal efetivo que a mesma possui é praticamente impossível gerir eficientemente e com agilidade tudo o que esta sendo executado em termos de PEB dentro do INPE, DCTA, CLBI, CLA e todas as universidades envolvidas com o PEB (que ainda não são suficientes para as pretenções do PEB). Como poderiamos esperar a criação de novos programas, a gestão e a fiscalização efetiva de todas as ações do PEB? Vamos fazer uma comparação não muito justa, mas por que não um dia? A NASA emprega mais de 18mil funcionários diretos e 40mil sob contratos temporários, o JPL apenas, mais 5mil diretamente.

Creio eu que uma modernização da AEB, com no mínimo o dobro de postos de trabalho seria de enorme importância para nosso PEB, e não aumentaria significamente o volume de recursos dispendidos para o setor. A contratação de um número suficiente de funcionários especializados em gestão de projetos, gestão da inovação, desenvolvimento estratégico, gestão pública e engenharia de sistemas iria ajudar muito na fluência de todos os processos.

O terceiro grande desafio lincado com o segundo é justamente o efetivo envolvido no PEB. Esse é um problema bastante complexo, pois nesse momento temos dezenas de profissionais pesquisadores da mais alta capacidade aposentando-se e indo pescar. Esses excelentes profissionais deveriam possuir um regime de trabalho diferenciado no final de suas carreiras, dedicando parte do tempo voltado para o treinamento e capacitação de novos engenheiros.

Até ai, a criação de um programa de mentoring é relativamente simples de implementar, mas precisamos de muito mais contratações sejam por CLT ou concursos públicos. Ai entra outra grande necessidade do nosso PEB, que já gerou problemas para diversos gestores anteriormente. É necessário urgentemente a criação de mais um instrumento jurídico que permita de forma desburocratizada a contratação legal de funcionários por regime CLT. Tal possibilidade de contratação iria aumentar muito a eficiência na gerência do quadro de efetivos, e suas alocações.

O quarto grande desafio na minha visão é estabelecer uma relação mais justa e sustentável com a indústria. Em muitos paises desenvolvidos, empresas do setor espacial podem sobreviver somente de contratos governamentais, mas definitivamente não é o caso do Brasil. Devemos então criar demandas para sustentar a indústria? Absolutamente esse não é o caminho, a indústria é quem deve servir aos interesses de pesquisa, desenvolvimento e produção da nação.

Como vamos possuir uma indústria espacial sustentável então? Primeiramente temos de acabar com vantagens, indicações e o tráfico de influência que ronda algumas de nossas indústrias aeroespaciais no Brasil atualmente. Tal problema gera atrasos, produtos com baixa qualidade e principalmente preços abusivos que tornam qualquer projeto inviável. Por mais que tivéssemos a causa da nacionalização a alguns anos, hoje precisamos pensar de forma diferente, mais voltada para o mercado, rumo a sustentabilidade do programa.

As indústrias espaciais no Brasil precisam se diversificar, e atender outros mercados além do segmento espacial, de forma a manter sua saúde financeira e suas equipes. Essa é uma premissa no Brasil, e não é uma estratégia nova. Dessa forma, as empresas podem atender a contratos específicos quando necessário, e não precisam aplicar preços abusivos para manter o caixa da empresa por anos.

Atualmente possuimos algumas empresas nesse setor que se negam a diversificar e mantêm suas atividades baseando-se em editais de P&D, no entanto, ao agirem dessa forma contribuem para o monopólio e a extinsão das micro e pequenas empresas no setor. Em um pais com recursos limitados como o Brasil uma solução para o desenvolvimento de um PEB sustentável está justamente na criação de dezenas ou centenas de micro e pequenas empresas, intimamente integradas as universidades e os institutos de pesquisa, tal ecosistema é encontrado em diversos polos tecnológicos pelo mundo, como o Vale do Sílicio.

Devido a natureza inovadora de sua gestão, essas startups tem enorme potencial de desenvolvimento de avanços tecnológicos e solução de problemas com frações do custo de empresas de maior porte, no entanto, esse tipo de empreendimento necessita de apoio governamental em seus primeiros anos, mas a maior parte dos recursos que deveriam servir para esse fim no Brasil tem sido injetados em pouco inovadoras e caras empresas de médio e grande porte a vários anos.

O quinto grande desafio a vencer esta na cooperação internacional, que é atualmente um dos grandes pilares do desenvolvimento aeroespacial mundo a fora. O Brasil por algumas razões históricas, algumas escolhas tecnológicas e algumas vendas de armamentos a paises não amigáveis aos USA, tem grandes restrições na importação de componentes, sistemas e mesmo cooperação em algumas áreas, principalmente lançadores.

Além desse histórico, o Brasil na última década tem se aproximado de paises comunistas ou pseudocomunistas, e isso tem dificultado o diálogo no sentido de acesso a tecnologias correlatas a área de lançadores. No entanto, o INPE tem feito grandes avanços em missões internacionais científicas e de observação da terra. Creio que o modelo de cooperação que o INPE tem estabelecido com diversas agências espaciais tem funcionado muito bem ao longo desses anos, e creio que poderiamos tentar replicar esse modelo no campo de lançadores, e de forma mais intensa buscando parceiros talvez dentro do bloco dos BRICS ou mesmo de paises do leste europeu.


Não creio de forma alguma que meu ponto de vista contemple todo o problema, mas gostaria de contribuir com alguns aspectos que creio serem importantes, e que tipicamente não vejo muito diálogo. Nesse sentido creio que mais discussões e com mais representantes de todos os players do setor poderia trazer mais luz sobre o melhor caminho a seguir.

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